(Ísis Zisels)
A varanda amadeirada da grande e solitária casa desfrutava de um suave arrebol. Podia-se vislumbrar a floresta da Gávea cintilando, acolhedora, sob o pôr do sol. O céu quiescente e as árvores frondosas transmitiam um frescor paradisíaco...
Do alpendre, a mulher contemplava a paisagem com certa ausência; o momento sutil onde o tempo para, os pulmões esvaziam-se e já não há tristeza, tampouco alegria. Apenas a vida suspirando lentamente... Porque sabemos, em nosso íntimo, que as coisas não existiriam se não pudessem suspirar...
Sentia-se numa tela de Renoir: as amendoeiras delicadas, o chá que lhe umedecia os lábios, as músicas que compunha ao cello, as pessoas e flores perfumadas virariam brumas algum dia. Também as memórias guardadas em sua alma enuvesceriam-se na alquimia do mundo... Domingos no bistrô, café com rosquinhas, Piaf, comentários sobre o Folha, um homem e seus tranquilos olhos através dos óculos, a cor cinza do cachecol que o envolvia, a cor cinza de sempre querer, sozinha, outro beijo estéril de cor...
Lembrara das obras que lera na juventude. Outrora, conhecera a paixão de Werther, a vontade de Ulisses, o canto de Ofélia enlouquecida pelo pai morto, os desejos e angústias de Madame Bovary...
Apesar de culpar o amor por fazê-la amar, o regalo róseo da tarde arrastava o passado aos dedos tímidos do poente. O sol da vida superava as dores causadas, pois havia mãos, olhos, boca, ouvidos, paisagens, partituras, o impressionismo de Renoir, quiçá outro nome quando os gestos amáveis dissolvem-se...