Tuesday

DELOS

(Ísis Zisels)

Ao meio-dia 
A melopeia 
Do panteão: 
Mosaico de mel 
No mar índigo 
Dedos dourados,
Desejo esfíngico 
Amor diânico 
Adentra o íntimo 

À meia-vista 
Um deus 
No lécito: 
Sol, 
Azeite 
E rosmarinho 
Porto de Apolo 
Sal do caminho 

A meia-volta 
Ruínas rugem:
O tempo órfico 
Do Metamórfico
Ouro opaco 
Ao vento 
Urge 
Jônico 
O templo

Monday

GUELRA URBANA

(Ísis Zisels)

Galopa urbes
Logos gago
Gânglio em guerra
Gole enterra
Lúgubres
Lagos

ESCÁRNIO

(Ísis Zisels)

O cerne do erro
Ruge no rosto
Rastro arranha
O roxo:
Carne exposta
Do afrouxo!

METEMPSICOSE

(Ísis Zisels)

Meu amor vem das Moiras,
Deusas crônicas;
Das fibras sintônicas,
Dos tecidos febris

Vapores de peles,
Anatólias hedônicas,
Órficas danças 
Semblantes de atriz

Ventre de Ceres,
Elêusis em glória
Cibeles: do sonho
À memória

Luas partidas,
Templos do inferno
Outono inventando
As bocas do Inverno...

EROS SUBCUTÂNEO

(Ísis Zisels)

A busca das bordas
O ócio do laço
O viço das línguas
Os ossos bordados
Os deuses bramindo
As bocas borradas
As brumas dos beijos
A tez transbordada...

PÔR DO SOL, LEMBRANÇAS E RENOIR

(Ísis Zisels)

A varanda amadeirada da grande e solitária casa desfrutava de um suave arrebol. Podia-se vislumbrar a floresta da Gávea cintilando, acolhedora, sob o pôr do sol. O céu quiescente e as árvores frondosas transmitiam um frescor paradisíaco...

Do alpendre, a mulher contemplava a paisagem com certa ausência; o momento sutil onde o tempo para, os pulmões esvaziam-se e já não há tristeza, tampouco alegria. Apenas a vida suspirando lentamente... Porque sabemos, em nosso íntimo, que as coisas não existiriam se não pudessem suspirar...

Sentia-se numa tela de Renoir: as amendoeiras delicadas, o chá que lhe umedecia os lábios, as músicas que compunha ao cello, as pessoas e flores perfumadas virariam brumas algum dia. Também as memórias guardadas em sua alma enuvesceriam-se na alquimia do mundo... Domingos no bistrô, café com rosquinhas, Piaf, comentários sobre o Folha, um homem e seus tranquilos olhos através dos óculos, a cor cinza do cachecol que o envolvia, a cor cinza de sempre querer, sozinha, outro beijo estéril de cor...

Lembrara das obras que lera na juventude. Outrora, conhecera a paixão de Werther, a vontade de Ulisses, o canto de Ofélia enlouquecida pelo pai morto, os desejos e angústias de Madame Bovary...

Apesar de culpar o amor por fazê-la amar, o regalo róseo da tarde arrastava o passado aos dedos tímidos do poente. O sol da vida superava as dores causadas, pois havia mãos, olhos, boca, ouvidos, paisagens, partituras, o impressionismo de Renoir, quiçá outro nome quando os gestos amáveis dissolvem-se...